quarta-feira, 17 de outubro de 2018

A Aflição de Pilatos



Pilatos; como este governador do – uma vez – glorioso império romano procedeu diante da condenação do Unigênito Filho de Deus? Será que, afastando as ideias preconcebidas de “gentio”, “ímpio” e “idólatra”, é justo rotula-lo como um tirano estrangeiro que friamente condenou o nosso Salvador?

As referências a este admirável homem encontram-se nos três evangelhos sinóticos, mas citarei aqui também o evangelho canônico de João.

Após ser preso, julgado, espancado e até cuspido pelos fariseus, Jesus finalmente se encontra com Pôncio Pilatos, o conhecido governador romano. Perante o governador, Jesus é acusado e caluniado pelos sacerdotes, que diziam:

2. "Encontramos este homem subvertendo a nossa nação. Ele proíbe o pagamento de imposto a César e se declara ele próprio o Cristo, um rei".

Lucas 23:2

Então Pilatos, lhe pergunta:

3. "Você é o rei dos judeus?" E ele, respondendo, disse-lhe: "Tu o dizes".

Lucas 23:3

A Bíblia de Estudo Plenitude nos elucida por qual razão Pilatos lhe faz esta pergunta.

“A acusação de blasfêmia feita pelo Sinédrio (um tribunal composto de anciões e sacerdotes judeus) seria insignificante para Pilatos. Portanto, eles acusaram Jesus de rebelião por sustentar ser um rei”.

Fonte: Bíblia de Estudo Plenitude, nota 27:11, pág. 995.

Mas no Evangelho de João há mais detalhes do interrogatório entre Jesus e Pilatos. Conforme é possível se deduzir, Jesus ficou em silêncio diante das acusações dos fariseus, mas não em seu diálogo com o governador. Em João 18:33-38 diz:

33. Pilatos então voltou para o Pretório, chamou Jesus e lhe perguntou: "Você é o rei dos judeus? "
34. Perguntou-lhe Jesus: "Essa pergunta é tua, ou outros te falaram a meu respeito? "

Aqui é interessante observar que mesmo Jesus se admira com a pergunta de Pilatos. A suprema declaração de rei não é dada pelos judeus ao Senhor Jesus, mas por um gentio romano que, talvez inconscientemente, sabia de quem se tratava. 

35. Respondeu Pilatos: "Acaso sou judeu? Foram o seu povo e os chefes dos sacerdotes que entregaram você a mim. Que é que você fez? "
36. Disse Jesus: "O meu Reino não é deste mundo. Se fosse, os meus servos lutariam para impedir que os judeus me prendessem. Mas agora o meu Reino não é daqui".

Jesus testifica de si mesmo, o que deixa Pilatos muito empolgado.

37. "Então, você é rei! ", disse Pilatos. Jesus respondeu: "Tu dizes que sou rei. De fato, por esta razão nasci e para isto vim ao mundo: para testemunhar da verdade. Todos os que são da verdade me ouvem".

Desconhecedor e inculto da insondável sabedoria divina, o governador não reconhece a teologia à respeito da natureza do Senhor.

38. "Que é a verdade? ", perguntou Pilatos. Ele disse isso e saiu novamente para onde estavam os judeus e disse: "Não acho nele motivo algum de acusação.

João 18:33-38 

Os fariseus o acusavam incansavelmente, porém Jesus permanecia em silêncio. Intrigado, Pilatos o pergunta:

13. "Você não ouve a acusação que eles estão fazendo contra você? "
14. Mas Jesus não lhe respondeu nenhuma palavra, de modo que o governador ficou muito impressionado.


Mateus 27:13,14


Então Jesus é enviado ao rei Herodes, monarca da Galileia, mas este o despreza, pois esperava ver de Jesus algum milagre e novamente ele permanece o tempo todo em silêncio. Retornando ao governador, este convoca as autoridades judaicas e lhes diz:

14. "Vocês me trouxeram este homem como alguém que estava incitando o povo à rebelião. Eu o examinei na presença de vocês e não achei nenhuma base para as acusações que fazem contra ele.
15. Nem Herodes, pois ele o mandou de volta para nós. Como podem ver, ele nada fez que mereça a morte.
16. Portanto, eu o castigarei e depois o soltarei.


Lucas 23:14-16

Durante a festa da Páscoa, havia o costume de soltar um dos presos que o povo escolhesse. Havia outro homem, de nome Barrabás, que havia sido preso por iniciar uma rebelião contra o império e matar um homem. Em uma manobra sensata e compassiva, Pilatos tenta libertar a Jesus.

17. Pilatos perguntou à multidão que ali se havia reunido: "Qual destes vocês querem que lhes solte: Barrabás ou Jesus, chamado Cristo? "
18. Porque sabia que o haviam entregado por inveja.


Mateus 27:17,18

Mas a multidão, incitada pelos fariseus, em uníssono grita:

18. "Acaba com ele! Solta-nos Barrabás! "

Lucas 23:18

Durante aquele espetáculo grotesco de coerção e injustiça, Pilatos bravamente resiste.

21. Mas eles continuaram gritando: "Crucifica-o! Crucifica-o! "
22. Pela terceira vez ele lhes falou: "Por quê? Que crime este homem cometeu? Não encontrei nele nada digno de morte. Vou mandar castigá-lo e depois o soltarei".

Lucas 23:21-22

Aqui é necessário observar como Pilatos, um homem gentio e pagão, se comportou diante do julgamento de Cristo. Ele demonstra misericórdia e equidade perante todos mas, rechaçado pelo próprio povo do acusado, é friamente entregue à morte.

E isto lhe causa profunda aflição.

A Bíblia relata um fato pouco conhecido no imaginário popular. Mesmo a esposa de Pilatos se envolveu, como fica claro a seguir:

19. Estando Pilatos sentado no tribunal, sua mulher lhe enviou esta mensagem: "Não se envolva com este justo, porque hoje, em sonho, sofri muito por causa dele".

Mateus 27:19

Portanto, não apenas o governador e o código penal romano viam a Jesus como inocente, mas sua esposa em sonhos também.

Pilatos insiste:

21. Então perguntou o governador: "Qual dos dois vocês querem que eu lhes solte? " Responderam eles: "Barrabás! "
22. Perguntou Pilatos: "Que farei então com Jesus, chamado Cristo? " Todos responderam: "Crucifica-o! "
23. "Por quê? Que crime ele cometeu? ", perguntou Pilatos. Mas eles gritavam ainda mais: "Crucifica-o! "


Mateus 27:21-23

Nesta passagem, a aflição de Pilatos chega ao clímax. Sem opções diante do povo, ele faz um ato que ficaria icônico ao seu respeito. Pilatos lava suas mãos.

24. Quando Pilatos percebeu que não estava obtendo nenhum resultado, mas, pelo contrário, estava se iniciando um tumulto, mandou trazer água, lavou as mãos diante da multidão e disse: "Estou inocente do sangue deste homem; a responsabilidade é de vocês".

Mateus 27:24

E o povo responde algo insano que seria eternamente lembrado nas gerações vindouras:

25. "Que o sangue dele caia sobre nós e sobre nossos filhos! "

Mateus 27:25


Pilatos então acata ao pedido do povo, entregando-os Jesus.

15. Desejando agradar a multidão, Pilatos soltou-lhes Barrabás, mandou açoitar Jesus e o entregou para ser crucificado.

Marcos 15:15

Em algumas traduções diz “agradar”, outras “satisfazer” o povo, mas pessoalmente creio que Pilatos quis evitar um tumulto. Em situações delicadas assim, geralmente resultavam em insurreições que, para o império, custariam seu governo e sua vida.

Jesus então é agredido e humilhado pelos soldados, mas ainda outra vez Pilatos se apresenta diante do povo em sua defesa.

4. Mais uma vez, Pilatos saiu e disse aos judeus: "Vejam, eu o estou trazendo a vocês, para que saibam que não acho nele motivo algum de acusação".
5. Quando Jesus veio para fora, usando a coroa de espinhos e a capa de púrpura, disse-lhes Pilatos: "Eis o homem! "

A Bíblia de Estudo Plenitude descreve esta curiosa expressão.

“A expressão Eis o homem não tinha o significado de um título de honra, mas era uma mistura de piedade e desdém. Pilatos encarava as exigências de Jesus mais como apropriadas para o ridículo do que para a ação legal séria”.

Fonte: B.E.P., nota 19.5, pág. 1102.

O governador relutava-se em ter qualquer envolvimento com esta morte, mas a cada tentativa os cínicos fariseus o instigavam mais e mais.

6. Ao vê-lo, os chefes dos sacerdotes e os guardas gritaram: "Crucifica-o! Crucifica-o! " Mas Pilatos respondeu: "Levem-no vocês e crucifiquem-no. Quanto a mim, não encontro base para acusá-lo".
7. Os judeus insistiram: "Temos uma lei e, de acordo com essa lei, ele deve morrer, porque se declarou Filho de Deus".

Os romanos tinham uma política de tolerância religiosa sobre os povos conquistados, e os fariseus tentam usar desta tolerância e sua lei como pretextos para matarem a Jesus. Se Pilatos não acatasse, estaria desrespeitando a religião do povo e colocando o governo à beira de uma insurreição.

8. Ao ouvir isso, Pilatos ficou ainda mais amedrontado
9. e voltou para dentro do palácio. Então perguntou a Jesus: "De onde você vem? ", mas Jesus não lhe deu resposta.
10. "Você se nega a falar comigo? ", disse Pilatos. "Não sabe que eu tenho autoridade para libertá-lo e para crucificá-lo? "

A aflição de Pilatos apenas aumentava com o silêncio de Cristo, mas este finalmente o responde de um jeito que, aos meus olhos, parece haver insolência de sua parte.

11. "Não terias nenhuma autoridade sobre mim, se esta não te fosse dada de cima. Por isso, aquele que me entregou a ti é culpado de um pecado maior".


Não consigo entender o porquê, mas desde então Pilatos demonstrou tremenda compaixão para com o acusado.

12. Daí em diante Pilatos procurou libertar Jesus, mas os judeus gritavam: "Se deixares esse homem livre, não és amigo de César. Quem se diz rei opõe-se a César".

Desta vez os fariseus usam outra tática cínica: jogar o governador contra o próprio império. Neste momento os fariseus insistiam que eles não tinham reis, nem mesmo os seus próprios, além de César, o título romano para os imperadores daquele tempo.

Mas, cedendo ao povo, Jesus é finalmente condenado e crucificado.

Mais uma vez Pilatos faz algo que muito me fascina: ele testifica que Jesus era o rei do judeus não mais oralmente, mas por escrito.

18. Ali o crucificaram, e com ele dois outros, um de cada lado de Jesus.
19. Pilatos mandou preparar uma placa e pregá-la na cruz, com a seguinte inscrição: JESUS NAZARENO, O REI DOS JUDEUS.


Talvez o governador estivesse sendo irônico, se vingando do povo que o trouxe tamanho desconforto. Evidentemente os judeus detestaram o escrito.

21. Os chefes dos sacerdotes dos judeus protestaram junto a Pilatos: "Não escrevas ‘O Rei dos Judeus’, mas sim que esse homem se dizia rei dos judeus".

Mas, desafiador e triunfante, Pilatos responde:

22. "O que escrevi, escrevi".

João 19:4-22


Encerrando este texto, exponho aqui minhas considerações. A aflição de Pilatos de maneira alguma é uma apologia à inocência do governador – eu não me atreveria a tanto –, mas demonstra que mesmo um gentio, ímpio e idólatra foi capaz de reconhecer a inocência e a virtude de Cristo, das quais não foram reconhecidas nem pelos judeus.

Pilatos, em seu desprezo por este povo bárbaro e incivilizado, e despreocupado com suas primitivas crenças religiosas, a princípio não se importou com o julgamento de Cristo mas, diante das mais falsas e absurdas acusações ao seu respeito, defendeu-o, arriscando bravamente seu cargo e sua vida.     

Hoje a História o acusa de várias coisas: neutralidade covarde, tirânico e arrogante, executor da morte de Cristo... Mas poucos reconhecem seu esforço formidável para salvar a vida do nosso Senhor. Além disso, Pilatos – não sendo um judeu, mas um gentio – reconheceu a majestade divina do Filho, como o centurião também o reconheceu antes dele (Mt 8:5-13).

Não tenho ódio por Pilatos, mas respeito, por que ele declarou a majestade divina de Cristo, impressionando inclusive a Jesus (Jo 18:33-34). E ele era um gentio, como eu e você. Não tenho certeza da salvação de sua alma, mas testemunhos como o de Pilatos me fazem ter certeza daquela famosa passagem bíblica, que diz:

11. Veio para o que era seu, mas os seus não o receberam.
12. Contudo, aos que o receberam, aos que creram em seu nome, deu-lhes o direito de se tornarem filhos de Deus (...).


João 1:11,12



- Eduardo Redux




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